Sociedade pós-colonial
Até meados do século XIX, a maioria dos países da América Latina tinha-se tornado repúblicas independentes e abolido a escravatura. Exceções importantes foram o Brasil, Cuba e Porto Rico, onde a escravidão persistiu até a década de 1880, embora a maioria dos escravos já tivesse sido libertada. As elites estavam interessadas em definir as identidades de suas novas nações sob uma luz positiva, mas tinham dificuldade em conciliar a natureza mista de suas populações com a popularidade da época, mas desde que desmentida, teorias sobre a suposta inferioridade biológica das pessoas de cor.
Especialmente na virada do século 20, alguns latino-americanos responderam a este dilema invocando uma noção de “mistura progressiva”. Esta teoria admitiu que as populações nacionais da América Latina eram mistas, mas também assumiu que a região estava se movendo para um estado “superior” de crescente “brancura”. Muitos países encorajaram a imigração europeia para apressar este suposto processo de blanqueamiento (“branqueamento”). As crenças e práticas das elites em países com grandes populações indígenas (por exemplo México) tornaram-se bastante contraditórias: elas tendiam a glorificar o passado indígena nas ideologias do indigenismo enquanto ainda vislumbravam um futuro de integração e miscigenação, tudo isso discriminando os povos indígenas existentes.
Muitos intelectuais latino-americanos tentaram se distanciar das teorias euro-americanas sobre raça, afirmando que a miscigenação tinha criado uma sociedade tolerante na qual o racismo não era um problema e na qual a biologia desempenhava pouco papel na definição das identidades sociais. Esta imagem de “democracia racial” foi feita em contraste explícito com a segregação racial dos Estados Unidos e persistiu até ao século XXI. Na prática diária, porém, as idéias latino-americanas sobre “raça” continuaram a desempenhar um papel importante: embora categorias de identidade como “negro”, “índio”, “branco” e “mestiço” fossem reconhecidas como altamente variáveis e predominantemente culturais, elas continuaram a ser informadas por idéias sobre descendência (em termos de alguma “essência” interna) e sobre o corpo (em termos de aparência).
Um exemplo do Brasil ajuda a ilustrar as formas complexas que estas questões se desenrolam na vida quotidiana: muitas evidências recolhidas desde os anos 50 indicam que, apesar da indeterminação do “Negro” como identidade colectiva, existe uma desigualdade racial substancial que é mantida, em parte, pela discriminação contínua contra os Negros individuais. Outras evidências, por exemplo, da Colômbia, Guatemala e Peru, indicam que noções positivas sobre a mistura física e cultural têm continuado a coexistir com idéias sobre a superioridade da brancura e a inferioridade da negritude e da indigenidade.
No final do século XX, vários países latino-americanos redefiniram suas identidades nacionais, afastando-se das idéias de blanqueamiento e caminhando para um reconhecimento oficial e uma celebração da pluralidade cultural e étnica. Isto foi em parte uma resposta ao ativismo político indígena e, em menor medida, negro que, com base em tradições de resistência de longa data, floresceu a partir dos anos 60. O termo raça raramente ocorre neste novo discurso, mas as mesmas categorias – negro, branco, índio – estão em evidência. Estes desenvolvimentos reafirmaram as identidades negras e indígenas, especialmente no domínio público e quando os direitos particulares – o mais importante, os direitos à terra – estão ligados ao que agora é chamado de “etnia”. Embora os povos indígenas tenham há muito tempo reservas de terra especiais em muitas partes da América Latina, foi somente na virada do século 21, mais notadamente na Colômbia, que surgiu a possibilidade de comunidades negras se candidatarem a terras de reserva.
O impacto desses desenvolvimentos nas idéias latino-americanas sobre a raça não é claro. Apesar das mudanças a longo prazo, o tropo chave da “mistura” tem permanecido uma parte vital (se desfatizada publicamente) das identidades nacionais latino-americanas. No passado, este tropo não apagou a presença de negros e povos indígenas, mas marginalizou-os – por vezes até ao ponto de quase invisibilidade. Embora a ênfase no multiculturalismo tenha ajudado a aumentar a visibilidade desses grupos, a questão de saber se tais desenvolvimentos ajudarão a reduzir sua marginalidade social, econômica e política permanece sem resposta.
Peter Wade