Navegar pelo Atlântico – uma viagem clássica de água azul

Apesar da sua inegável dimensão épica, Andrew Simpson pensa que a travessia real não é tão exigente como se poderia imaginar – basta ir para sul até a manteiga derreter!

Obviamente, você deve ter um grau justo de competência de navegação, e o seu barco deve ser capaz de fazer tal viagem, mas isso não deve ser surpresa. Para muitos marinheiros é a contemplação de toda essa vastidão que é o factor intimidante. E inútil. Pense nisto noutro contexto. Estaria mais em risco pedalar de montanha sobre um pântano deserto do que de bicicleta para trabalhar numa cidade cheia de gente? Não há prémios para a resposta correcta, uma vez que isto é óbvio. As consequências de se perder entre as rochas e urze é mais provável que seja uma vergonha do que uma tragédia, enquanto que mesmo um pequeno acidente de trânsito pode estragar seriamente o seu dia. O mesmo princípio se aplica à navegação à vela. Numa viagem, digamos, do Reino Unido para o Caribe, as etapas mais perigosas estarão à vista da terra. É preciso pouca reflexão para perceber que qualquer conforto que a proximidade da terra traga é uma ilusão. É a probabilidade de perigos subaquáticos e outras embarcações que representa de longe a ameaça mais sinistra. Durante uma viagem de 18 dias da Madeira a São Cristóvão, não vi um único navio. A verdade é que, em todas as condições menos as mais terríveis, o mar aberto é relativamente benigno – mais seguro do que águas costeiras apinhadas. Assumindo que escolhemos o tempo e a rota certos, ou seja.

Escolhendo a rota certa

O Atlântico – pelo qual, sendo britânico, quero dizer o Atlântico Norte, a extensão de água a norte do equador – tem cerca de 3500nm (milhas náuticas) de largura no seu máximo. É delimitada a leste pela Europa e noroeste de África, e a oeste pelas Américas, norte e sul. E, logo abaixo do seu ponto mais largo estão as Índias Ocidentais, uma série de ilhas que servem de guardiãs para as Caraíbas e são um reconhecido íman para os marinheiros de todas as persuasões. Eles são também o mais popular aterro para barcos que navegam de leste para oeste – uma viagem das Ilhas Canárias é de cerca de 2.700nm.

Mas por que ir tão longe no seu caminho? Afinal, chegar às Canárias a partir do Reino Unido envolveria uma viagem de 1400nm, elevando toda a viagem transatlântica a uns desencorajadores 4000nm. Quando Newfoundland fica apenas a metade da distância para o oeste, onde está o sentido disso? Hmmm… bem, na verdade é muito sensato. Para explicar porquê, tenho de me conformar com uma característica nacional e falar sobre o tempo – ou seja, o tempo à escala global. Sabe, a bacia do Atlântico Norte é dominada por uma área de alta pressão atmosférica estacionada aproximadamente no centro. Na Europa, conhecemo-la como o “Alto dos Açores”, mas se se deslocar para oeste em direcção às Bermudas, na mente de alguns torna-se o “Alto das Bermudas” – lógico, suponho eu, se for um ácaro territorial. Por muito que o rotulemos, é praticamente uma característica permanente, raramente se pode vaguear longe. E a sua influência é profunda. Nós, humanos, tendemos a pensar nos ventos como fenômenos de superfície, enquanto que eles são muito tridimensionais na natureza. Em termos muito simples, o ar quente sobe em regiões tropicais mais quentes, arrefece a grande altitude, depois cai novamente à medida que encontra o ar mais frio mais próximo dos pólos. Esta agitação da atmosfera impulsiona o que conhecemos como vento.

Para descrever o que acontece a seguir precisamos reconhecer o físico do século XIX Gaspard de Coriolis que emprestou seu nome ao ‘efeito coriolis’ – o funcionamento do qual ele foi o primeiro a explicar. Tudo isso tem a ver com a rotação da Terra. Para ser breve, o efeito coriolis determina a forma como os ventos predominantes circulam em torno de ‘anticiclones’ – áreas de alta pressão atmosférica – ou seja, sempre no sentido horário de rotação no hemisfério norte e anti-horário no sentido sul do equador.

Mas isso não é tudo. O arrastamento superficial entre estes ventos predominantes e as águas sobre as quais eles sopram estabelece correntes oceânicas que fluem na mesma direção. Em suma, todo o sistema se transforma num carrossel gigantesco de vento e água girando majestosamente em torno do Alto Açores/Bermudas. Isto significa que os habitantes do Reino Unido podem esperar ventos predominantemente de oeste, os portugueses verão ventos de norte, os marinheiros que navegam para oeste em direcção às Caraíbas desfrutarão de ventos de leste e os da costa atlântica dos Estados Unidos estarão muito familiarizados com os ventos de sul. Os marinheiros sabem disto há séculos e estão bem habituados a aproveitar estas forças em seu proveito.

Os ventos alísios são chamados ventos alísios porque foram utilizados pelos primeiros comerciantes. Suas experiências navegando através do Atlântico e outros oceanos são bem registradas e nós somos os beneficiários. Então, vamos imaginar um veleiro a planear explorar tanto a costa leste dos EUA como as Caraíbas. Como poderia o capitão planear o seu itinerário? A lógica pode parecer indicar que eles deveriam definir o curso muito mais curto diretamente para a Terra Nova e depois seguir em direção ao sul pela costa leste dos EUA, eventualmente para as Índias Ocidentais. Infelizmente, isto faria com que eles lutassem contra ventos de proa e correntes a cada centímetro do caminho – uma experiência inquestionavelmente miserável, desconfortável para a tripulação e com uma possibilidade muito real de danos ao barco. Não, o capitão conclui. Melhor, de longe, ouvir as vozes do passado e dar boleia a esse conveniente carrossel, permitindo que ele as transporte com estilo.

O que deixa a questão de quando. E isto é muito importante. O final do verão anuncia uma época ruidosa no Atlântico Norte. Desovado pelo calor sazonal, furacões mortais se formam nas latitudes mais baixas. Isto não é lugar para um pequeno barco nessa altura, nem pensar! Ainda mais ao norte, depressões menores, mas ainda significativas, curvam a partir do oeste – às vezes as caudas de tempestades tropicais anteriores. Só no final de Novembro, com o calor a diminuir no hemisfério norte, é que as coisas realmente se acalmam e se tornam mais previsíveis. Nessa altura já está a ficar frio no Reino Unido e as horas de dia são curtas. A visibilidade pode ser fraca. Esta não é uma época para velejar com prazer nestas latitudes. Pensando nisso, nosso capitão procurou por um plano melhor. E encontrou um…

A hora é tudo…

A eventual decisão envolvia deixar as águas britânicas em Junho e passar um Verão de lazer explorando as costas francesa, espanhola e portuguesa – cruzeiro fascinante, posso prometer-lhe. A seguir vem a primeira longa viagem de Portugal à Madeira (470nm) ou às Canárias (570nm) ou, se quiserem, podem visitá-los a ambos em sequência, onde ou por quanto tempo se demorarem, tentarão chegar às Canárias até Outubro. Isto deve dar-lhes um par de meses para descansarem, arrumarem o barco, arrumarem as provisões e prepararem-se para a grande aventura.

E a navegação? Bem, hoje em dia o GPS faz disso uma canja. Quando atravessei o Atlântico, em 1974, eu me apoiei em uma tabela de redução de visão e sextante. Hoje, só tenho de olhar para o meu plotter de cartas. Mas e se o gizmos falhar? Felizmente, os antigos também tinham conselhos para isso: “Dirijam-se para sul até a manteiga derreter, depois virem à direita. “Eu mesmo não poderia ter colocado melhor. Não é preciso ser preciso. As Américas são muito difíceis de perder – mesmo que você tenha que perguntar a alguém onde você está quando chegar lá.

Sailing west to east

A travessia rumo ao leste depende muito do seu ponto de partida. Desde as Caraíbas, a escolha popular é navegar para norte até às Bermudas e depois atravessar para os Açores e seguir em direcção ao seu destino europeu. No entanto, esta estratégia expõe-o aos calores persistentes que poderá encontrar quando entrar no anticiclone, por isso certifique-se de que tem muitas provisões e combustível. Se começar mais a norte – Chesapeake Bay e acima, digamos – é melhor manter-se nas latitudes mais elevadas, aproveitando assim tanto a Corrente do Golfo como os westerlies predominantes. Seja como for, de Maio a Julho são bons meses para atravessar, mas, qualquer que seja o seu percurso, espere que a travessia para leste seja mais desafiante do que o vento alísio que sopra mais para sul. Como os primeiros colonos descobriram, nos dias antes dos navios a vapor era muito mais fácil chegar às Américas do que regressar. E num veleiro ainda é.

Este artigo apareceu pela primeira vez no site de Andrew Simpson www.offshore-sailor.com

Andrew Simpson é um agrimensor profissional de iates, desenhador de veleiros, autor de veleiros e editor de várias décadas de experiência.

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