Valor diagnóstico de leucócitos fecais em doenças intestinais crônicas

ArTIGOORIGINAL

Valor diagnóstico de leucócitos fecais em doenças intestinais crônicas

Adriana Seva-Pereira; Alberto Otoniel Franco; Antonio Frederico Novaes de Magalhães

Estudo realizado no Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP

Endereço para correspondência

ABSTRACT

Para avaliar a importância dos leucócitos fecais, foram estudados 42 pacientes que apresentavam sinais de leucócitos fecais (++ ou +++). Os seus exames endoscópicos com biópsia e/ou radiologia do cólon mostraram os seguintes diagnósticos: 33 tinham colite ulcerativa, quatro tinham adenocarcinoma colônico, dois tinham doença de Crohn, dois tinham colite amebica e um tinha colite eosinófila. A presença de leucócitos fecais permitiu o diagnóstico de doença do cólon em todos os pacientes, e pode indicar doença exsudativa intestinal. Estes resultados sugerem que sempre que forem encontrados leucócitos fecais nas fezes, deve ser feito um exame para doença do cólon.

Palavras-chave: Leucócitos fecais, doença inflamatória intestinal, doença exsudativa intestinal

RESUMO

Foram estudados pacientes com diarréia crônica, dos quais 42 apresentaram leucócitos nas fezes (++ ou ++++). Nestes, os exames endoscópicos com biópsia e/ou radiológico do cólon firmaram os seguintes diagnósticos: retocolite ulcerativa inespecífica em 33, adenocarcinoma do cólon em 4, doença de Crohn em 2, colite amebiana em 2 e colite eosinofílica em 1 paciente. A presença dos leucócitos nas fezes permitiu, então, o diagnóstico de doença do cólon em todos os pacientes, podendo ser indicativo de doença exsudativa do intestino. Estes resultados sugerem que sempre que forem encontrados leucócitos nas fezes devem ser pesquisadas doenças do cólon.

INTRODUÇÃO

O diagnóstico de doença inflamatória intestinal geralmente requer exames desconfortáveis, como radiologia e endoscopia. Muitos autores têm tentado testes não-invasivos para triagem de pacientes que necessitavam de exames complementares mais agressivos. Foram detectados leucócitos marcados com indio-l11 nas doenças inflamatórias intestinais (5,9,10). Muitos autores determinaram que a presença de leucócitos fecais depende principalmente de uma ruptura da integridade da mucosa intestinal (3,4,8,12). Feinberg (3) havia proposto um método rápido e menos complicado para a realização de exames fecais que requeria apenas 75 minutos para a coloração.

O exame imediato das fezes coradas com lugol para leucócitos é um procedimento rápido e confiável que pode oferecer muitas informações úteis e pode ser uma ajuda valiosa para o diagnóstico precoce da causa da diarréia (3,4,8). Ele precisa apenas de um microscópio e pode ser usado por médicos no consultório.

Neste estudo, foi realizada uma análise para deter-minerar o valor dos leucócitos fecais no diagnóstico de doenças intestinais crônicas.

METHODS

Exemplos de fezes de cada paciente foram examinados para leucócitos. Uma pequena mancha de fezes foi colocada em uma lâmina de vidro limpa e misturada com duas gotas de lugol (12). A lâmina foi então coberta com uma lamela e examinada sob um microscópio leve (150, 300 e 600 x).

A presença de leucócitos fecais havia sido analisada pelo Laboratório de Gastroenterologia do HC-UNICAMP cri-teria que tem sido padronizado desde 1974. Ele mede tanto a quantidade de leucócitos quanto o material fecal, como Drummey et al (12) descreveram a partir da pesquisa das fezes da manteiga. A análise semi-quantitativa mostrou os seguintes resultados:

1. negativo (-) ou ausência de leucócitos fecais: não são vistos leucócitos.

2. + (pequena quantidade de leucócitos fecais): leucócitos raros são vistos por campo e material fecal abundante.

3. ++ (qualidade regular de leucócitos fecais): muitos leucócitos, até 100 por campo, mas material fecal regular.

4. +++ (alta quantidade de leucócitos fecais): numerosos leucócitos, 100 ou mais por campo, e pouco material fecal (figura 1).

PATIENTES

De 1986 a 1990, 1.680 pacientes com diarréia crônica foram examinados. Leucócitos fecais ++ ou ++++ foram detectados em 69 pacientes. Todos foram submetidos à radiografia de contraste do intestino grosso, retosigmoidoscopia e colonoscopia com biópsia. Vinte e sete pacientes foram perdidos no seguimento; 42 foram submetidos a pelo menos um dos exames com diagnóstico conclusivo.

Fora de 42 pacientes, 24 eram homens e 18 mulheres, com idades entre 18 e 77 anos (média: 43,86; s.d.: 15,06). Seus dados estão resumidos na tabela 1.

RESULTADOS

Os resultados estão resumidos na tabela 1.

EXAMINAÇÃO DAS FETES MICROSCÓPICAS DIRETAS – O exame microscópico direto das fezes mostrou quantidade regular de leucócitos (++) em oito pacientes e alta quantidade (+++) nos outros 34.

DIAGNÓSTICO

Para 42 pacientes, o diagnóstico definitivo foi estabelecido por exames radiológicos ou endoscópicos e, em um, por biópsia cirúrgica. Os diagnósticos conclusivos foram colite ulcerativa em 33 pacientes, adenocarcinoma colônico em quatro, doença de Crohn em dois, colite amebica em dois e colite eosinófila em um.

DISCUSSÃO

Exame microscópico das fezes foi reconhecido como muito importante para o diagnóstico de diarréia aguda (1,3,4). Bearzoti e Reis Filho (1) enfatizaram o valor dos leucócitos fecais em crianças com diarréia aguda. Harris et al. (4) concluíram que a presença de leucócitos fecais indicou ruptura da mucosa distal porque não encontraram leucócitos fecais em controles saudáveis ou em voluntários com diarréia bacteriana não-invasiva.

Estudos de 430 crianças com diarréia aguda mostraram uma correlação direta entre leucócitos fecais e bactérias conhecidas por penetrar na mucosa, como Shiguella e Salmonella (7).

Estes estudos sugerem que a presença de leucócitos fecais em pacientes com diarréia aguda depende principalmente da ruptura da mucosa intestinal.

Harris et al. (4) estudaram apenas dois pacientes com colite ulcerosa que apresentaram sinais de leucócitos e eritrócitos nas fezes. Outros autores, usando leucócitos marcados com Indium-111, verificaram que a radioatividade estava concentrada na região tenra e a radioatividade fecal deveria identificar doença inflamatória intestinal (5,6,9,10,11). Este método não invasivo é útil no diagnóstico e no acompanhamento de pacientes com doença inflamatória intestinal (9); caso contrário, não está disponível em nosso meio.

Os exames realizados em todos os 42 pacientes que apresentaram sinais de leucócitos fecais regulares ou em grande quantidade (radiografia de contraste do intestino grosso, retosigmoidoscopia e colonoscopia com biópsia) mostraram doença exsudativa intestinal: 33 colites ulcerosas, quatro adenocarcinomas colônicos, duas doenças de Crohn, duas colites amebicas e uma colite eosinófila. Como esta é uma técnica rápida e simples, o possível valor dos leucócitos fecais semi-quantitativos na predição da doença exsudativa do cólon é sugerido através dos nossos resultados. Por outro lado, outros procedimentos invasivos, como sigmoidoscopia, colonoscopia, enema opaco ou cirurgia podem ser necessários para elucidar ainda mais a natureza da doença.

CONCLUSÕES

A presença de leucócitos fecais foi estreitamente associada à doença intestinal em todos os 42 casos com diarréia crônica. A maioria dos casos tinha etiologia inflamatória (colite ulcerativa, doença de Crohn, colite amebica ou colite eosinofílica) e em quatro, a origem era neoplásica (adenocarcinoma colônico). A simples observação dos leucócitos fecais, um teste de triagem simples e confiável, é portanto um indicador de enteropatia exsudativa.

1. BEARZOTI, P. & REIS FILHO, I. – O exame direto a fresco das fezes nas diarreias infantis. Pediatria Prática, 41: 321-324, 1970. DRUMMEY, G. D.; BENSON Jr., J.A. & JONES, M. C. – Exame direto a fresco das fezes nas diarreias infantis. N Eng J Med, 264: 85-7, 1961.

3. FEINBERG, S. N. – Método simples para exame citológico – exame de fezes diarréicas. Am J Pathol, 57: 387-390, 1972.

4. HARRIS, J. C.; DUPONT, H. L. & HORNICK, R. B. – Leucócitos fecais em doença diarréica. Ann Int Med, 76: 697-703, 1972.

5. LEDDIN, D. J.; PATTERSON, W. G. & DACOSTA, L. R.; et al. – Indium-111 etiquetado como leucócitos autólogos e excreção fecal. Comparação com metanods convencionais de avaliação da doença inflamatória intestinal; Dig Dis Sci, 32: 387, 1987. McAFEE, J. G.; GAGNE, G. M. & SUBRAMANIAN, G.; et al. – Distribuição de leucócitos rotulados com Indium-ill oxine em cães com lesões inflamatórias agudas. J Nucl Med, 21: 1059-1068, 1980. PEREIRA, A. S.; MAGALHÃES, A. F. N. & PEREIRA FILHO, R. A. – O valor do exame direto das fezes nas diarreias infantis. Congressos de Pediatria (XI Panamericano e IV Latinoamericano), São Paulo, 1975.

8. PINK, I. J.; CROFT, D. N. & CREAMER, B. – Perda celular da mucosa do intestino delgado: um estudo morfológico. Intestino, 11: 217-222, 1970.

9. SAVERYMUTTU, S. H.; PETERS, A. M.; LAVENDER, J. P.; et al. -Indium-111 etiquetado leucócitos autólogos na doença inflamatória intestinal (abstrato). Gastroenterologia, 80: 1273, 1981.

10. SAVERYMUTTU, S. H.; PETERS, A. M.; LAVENDER, J. P.; et al. – Quantitative fecal Indium-111 labeled leukocyte excretion in assessment of disease in Crohn’s disease. Gastroenterologia, 85: 1333-1339, 1983.

11. SEGAL, A. W.; MUNRO, J. R.; ENSELL, J.; et al. – Indium-111 tagged leukocytes in the diagnosis of inflammatory intestel disease. Lancet, 2: 230-232, 1981.

12. VILELA, M. P. -Sindromes coprologicas. São Paulo, Sarvier, 2ª ed., 40-41, 1967.

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