Superinfecção

30.4.2 Porquê a exclusão?

Vários mecanismos subjacentes ao SIE foram propostos (Zhou e Zhou, 2012). Três hipóteses merecem maior atenção. (1) O vírus secundário entra numa célula que já está ocupada pelo vírus primário. Aqui, os seguintes eventos são possíveis: (a) a PC superexpressiva do vírus primário impede a desmontagem do vírus secundário (Beachy et al., 1990; Lu et al.., 1998); (b) o RNA não revestido, e portanto desprotegido, do vírus secundário é degradado pelo complexo silenciador induzido pelo RNA (RISC) do vírus primário; (c) o RNA de cadeia negativa do vírus primário hibridiza com o RNA do vírus secundário, seguido de submeter os híbridos de cadeia dupla do RNA (dsRNA) à clivagem mediada por Dicer, o que resulta na geração de siRNAs (Fig. 30.4). (2) O vírus secundário entra nas células previamente iniciadas pelo siRNA, mas não contém RNA do vírus primário. Neste caso, o RISC tem como alvo o RNA do vírus secundário, causando a sua degradação. (3) O vírus secundário entra nas células distantes das células infectadas. Aqui, um sinal de longa distância é enviado para amplificar a resposta de silenciamento pela RNA polimerase endógena dependente do RNA (RdRp), que é capaz de ativar o RISC e degradar o RNA do novo incomer.

A hipótese sobre o SIE mediado por CP dependia fortemente da descoberta de que o N. tabacum e N. benthamiana expressando o CP da VTM mostrou resistência à infecção por este vírus, sugerindo que o CP interfere com o não revestimento das partículas da VTM no interior da célula (Beachy et al, 1990; Lu et al., 1998). No entanto, a única responsabilidade deste mecanismo para o SIE é discutível, principalmente porque foi demonstrado que o SIE tem sido conferido com sucesso pelas variantes virais e viroides defeituosas da CP (Gal-On e Shiboleth, 2006). O SIE independente de CP entre variantes desconstruídas de TMV pode operar em N. benthamiana como um mecanismo precoce induzido e de rápida propagação (Julve et al., 2013). Em uma variante desconstruída, funções indesejadas do genoma são removidas e o vírus é remontado transferindo as funções em falta para o hospedeiro ou substituindo-as por funções análogas que não provêm de um vírus. As plantas de trigo infectadas com TriMV expressando WSMV NIa-Pro ou CP foram substancialmente protegidas da superinfecção pelo WSMV (WSMV-GFP), o que sugere que ambos os cistrons são efectores SIE codificados pelo WSMV (Tatineni e French, 2016). Além disso, a mutagénese de eliminação revelou que a elicitação do SIE pelo NIa-Pro requer a proteína inteira, enquanto que o CP necessita apenas de um fragmento médio de 200-aminoácidos da proteína 349-aminoácida. Curiosamente, experiências recíprocas com a expressão mediada por WSMV das proteínas TriMV mostraram que, de forma semelhante, tanto TriMV CP como TriMV NIa-Pro excluíram a superinfecção por TriMV-GFP. Pode-se concluir que as proteínas CP e NIa-Pro codificadas por WSMV e TriMV são capazes de desencadear resistência à superinfecção e que estas duas proteínas provocam SIE independentemente uma da outra (Tatineni e French, 2016).

Sistema de silenciamento, que desempenha um papel substancial na terceira hipótese, pode ajudar a compreender os fenómenos de “recuperação” e “ilhas verdes”, observados em algumas infecções naturais e em plantas transgénicas que expressam transgenes derivados de vírus. O fenómeno de recuperação, caracterizado por uma resposta inicial severa das plantas à infecção viral seguida de uma redução tanto da gravidade dos sintomas como do nível de ARN nas folhas superiores jovens, é conhecido em muitas espécies vegetais (Nie e Molen, 2015). Nas plantas de tabaco infectadas com PVY, a remoção das três primeiras folhas acima das folhas inoculadas interferiu na ocorrência da recuperação, o que pode indicar que o sinal que medeia a recuperação é gerado nestas folhas. Curiosamente, e inesperadamente, o nível reduzido de RNA PVY nas folhas superiores também foi observado no tomateiro, mas não nas plantas de batata.

Como apontado por Ziebell e Carr (2010), a hipótese envolvendo o silenciamento do RNA forneceria uma explicação plausível do porquê do SIE ocorrer apenas entre estirpes/isolados de vírus estreitamente relacionados e necessita de um intervalo de tempo entre as inoculações. Um modelo mecanicista mais recente postulado por Zhang et al. (2018) para os vírus RNA assume que o SIE manifesta uma função viral que impede a replicação dos genomas progenitores nas células dos seus pais, e que tem como alvo colateral vírus superinfectantes altamente homólogos que são indistinguíveis dos vírus progenitores. Propõe-se ainda que o SIE possa ser seleccionado evolutivamente para manter uma frequência de erro óptima nos genomas da descendência.

Nos últimos anos, foram realizados vários ensaios dignos de nota nos quais se efectuou um sequenciamento profundo e uma análise bioinformática de uma pequena população de RNA (sRNA-ómica) não só para o diagnóstico de vírus RNA e DNA e para a reconstrução dos seus genomas, mas também para a reconstrução de viroses em infecções mistas (revista em Pooggin, 2018). A abordagem sRNA-omics utiliza o sistema de defesa antiviral baseado em RNAi envolvendo a geração de siRNAs. Em uma experiência de proteção cruzada com tomates, uma cepa leve CH2 do vírus do mosaico do pepino (PepMV; Potexvirus, Alphaflexiviridae) foi testada para proteção contra a cepa LP do mesmo vírus (Turco et al., 2018). Inoculações recíprocas resultaram em infecção dupla de todas as plantas individuais com cepas CH2 e LP, reconstruídas como contíguos separados de sRNA. A invasão de plantas infectadas com CH2 pela cepa LP, e vice-versa, foi acompanhada por alterações de seqüências genômicas consensuais em quase-espécies virais. Esses achados podem indicar que o uso de proteção cruzada como forma de controlar doenças de vírus vegetais pode ser sobrecarregado com alto risco.

Um ponto fraco da abordagem sRNA-omics é sua incapacidade de reconstruir completamente seqüências genômicas de duas, ou mais, cepas virais ou variantes genéticas mostrando alta identidade de seqüência. Um estudo de caso realizado por Turco et al. (2018) sobre uma planta de batata naturalmente infectada revelou um viromo composto por estirpes de NTN e O de PVY, cujos sRNAs montados em contíguos quiméricos, que poderiam ser desembrulhados por comparação com as sequências genómicas de referência. Duas cepas de c-oinfecção só puderam ser montadas de novo em contíguos de sRNA específicos para uma porção de 1kb 5′ dos genomas virais, que compartilham 75% da identidade nucleotídica. As partes restantes dos genomas, que compartilham mais de 87% de identidade, fundidas em um pequeno contigente quimérico de RNA e só poderiam ser separadas por uma montagem de genoma baseada em referência. Pooggin (2018) aponta que nos casos acima mencionados e similares, genomas virais recombinantes potencialmente presentes na população de quase-espécies de viromas mistos não podem ser reconstruídos de forma confiável a partir de pequenas leituras de RNA.

Deve-se enfatizar que existem vários caminhos de silenciamento celular além dos envolvidos na defesa (Brodersen e Voinnet, 2006; Zhang e Qu, 2016). Zhang et al. (2015) relataram que tanto o tipo selvagem quanto o RNA silencioso e as plantas N. benthamiana mostraram um padrão similar de dominância aleatória por vários genótipos variantes do vírus nabo enrugado (TCV; Carmovirus, Tombusviridae). Este achado pode indicar que, apesar da dependência tanto do silenciamento do RNA quanto do SIE da alta semelhança de seqüência entre o indutor e o vírus desafio, há outro mecanismo por trás da proteção cruzada, distinto do silenciamento do RNA, que aguarda elucidação.

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